Itaimbé, uma metáfora da cidade
Atílio Alencar
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Tempos difíceis são um bom pretexto para ativar a memória de épocas mais benévolas. Fazemos isso também, creio, para organizar a vida numa narrativa legível. Rememorar pessoas, experiências e lugares que conhecemos nos ajuda a implantar uma vértebra no tempo, esse bicho fugaz. Deve ser por isso que meu pensamento andou me levando para passear na Catacumba, um antro célebre e já desaparecido da cartografia noturna de Santa Maria.
Espaço subterrâneo e marginal à boate do Diretório Central dos Estudantes (DCE), a Catacumba era mais do que um apêndice: era a afirmação de um estilo de vida, uma opção política tanto quanto estética, e gostávamos de pensar que ela significava uma ruptura com a ideia asséptica de "cidade cultura", que julgávamos esnobe. Aos vinte e poucos anos, era assim que muitos universitários viam as coisas no fim do século.
O AMBIENTE
A Catacumba era o lugar da embriaguez militante, acompanhada dos devaneios e discussões acaloradas que flutuavam na densa fumaça dos cigarros baratos. Diferente da boate, onde o previsível percurso entre o bar lotado, os cortejos da pista e os banheiros nauseabundos deixava tudo com cara de jogo marcado, o andar de baixo tinha outra dinâmica, já que se estendia até o pátio sombrio que servia para nos abrigar da música brutal em momentos de trégua.
Muita gente conheceu a fascinação pela noite naquelas escadarias laterais do porão, ali em frente ao Quarto Menos Um da Casa do Estudante - espécie de cubículo siberiano para onde eram enviados os indesejáveis do condomínio. E muito dejeto foi jogado pelos moradores mais conservadores da CEU, indignados com o barulho e o conteúdo das conversas sub-asfálticas.
O convívio com a variedade de tipos era elemento constitutivo das noites por lá. Punks, manos, hippies, poetas e universitários jubilados compunham a fauna incorrigível daquele antro.
RECORDAÇÃO
Lembro com vaga clareza do final de algumas noites épicas, com o dia amanhecendo na Rua Professor Braga. A balbúrdia difusa dos amores frustrados, da sede insaciável, daquele desejo inquieto protestando contra os primeiros raios de sol - tudo isso compõe um inventário afetivo das experiências vividas no poço úmido da Catacumba.
Era um outro tempo, de prazeres possíveis e perigos desconhecidos que, vistos de longe, parecem pertencer a um mundo perdido para sempre.
Nos trilhos
Fabiano Dallmeyer
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Essa semana precisei me deslocar para uma cidade próxima daqui onde vivo. Tive a ideia de ir de trem. Fazia algum tempo que não andava de trem, e, durante a viagem relativamente curta (cerca de 30 minutos) tive tempo de pensar em tudo o que representa o meio de transporte que anda nos trilhos. Por aqui, o trem é bastante utilizado, mesmo neste período de pandemia. O distanciamento é preservado e há muito cuidado com a higienização dos vagões. Um dos motivos da escolha deste transporte é o preço, talvez seja o mais barato. Não há o "stress" do trânsito, o que também é uma vantagem.
O TREM DO PANTANAL
O nome oficial era Pantanal Express. Era um serviço de passageiros que ligava Bauru/SP a Corumbá/ MS. Nos anos 70 e 80 teve seu auge, e era chamado erroneamente de "trem da morte", mas o verdadeiro Trem da Morte era a parte boliviana. Não era um erro total, pois muitas pessoas usavam o Pantanal Express para ir até Corumbá e atravessar a fronteira da Bolívia, para prosseguir no verdadeiro Trem da Morte, como é chamado o que liga as cidades de Puerto Quijarro e Santa Cruz de la Sierra. O nome não vem do fato de ele fazer um percurso cheio de perigos. Nasceu no século passado, quando a composição foi usada para transportar leprosos, doentes e corpos das vítimas de uma grave epidemia de febre amarela que se abateu sobre a região de Santa Cruz, na Bolívia. Outro motivo era que naquela época, a ferrovia não estava em boas condições e descarrilamentos eram comuns, o que contribuiu para reforçar a má fama do trem. Outro perigo nesta viagem era ter uma baita dor de barriga por intoxicação alimentar. Nem todo mundo consegue passar imune a limonada de balde ou espetinho de carne para lá de suspeito. Levar o seu lanche era sempre recomendado.
Tive a oportunidade de percorrer um trecho desta linha, e foi uma grande aventura. Lembro de ter "entrevistado" muita gente nos vagões, sempre desviando de pessoas que dormiam no chão, ou porcos e galinhas, que também eram transportados.
Já não há trens de passageiros em Santa Maria desde 1996, quando o último passou pela Gare. Infelizmente, desde então, o local está abandonado, e praticamente nada acontece por lá. Existem projetos e propostas para transformar o local em algo útil para a nossa cidade. Mas, por incrível que pareça, nada parece andar como deveria. Gostaria muito de ver um local para cultura, artes, gastronomia ou entretenimento. Quem sabe um dia!
Como disse Paulo Ursaia: "Até para andar na linha é necessário algumas pausas. Como sair desta para ver o trem passar ou aguardar as manutenções necessárias nos trilhos. É meu caro... No Brasil, tudo é lindo ao mesmo tempo em que é difícil."